ANÁLISE GLOBAL DO TRATAMENTO SUBSTITUTIVO RENAL DA DOENÇA RENAL CRÓNICA EM PORTUGAL

Quase 20000 doentes renais crónicos em estadio 5 (DRC %) em Portugal estavam em tratamento substitutivo renal no final de 2016, cerca de 60% em hemodiálise, 37% transplantados renais e menos de 4% em diálise peritoneal.

Mais de 90% dos doentes em hemodiálise são tratados em unidades privadas de hemodiálise convencionadas com o estado, algo que encontra razões históricas na falta de oferta do setor público. A implantação da diálise peritoneal em relação à hemodiálise tem sido sempre muito baixa em Portugal, variando entre 5 e 10% nos doentes a iniciar tratamento e entre 3,5 e 6% nos doentes prevalentes entre 1997 e 2016.

VARIAÇÕES GEOGRÁFICAS NA TAXA DE INCIDÊNCIA DE DRC 5 [ESRD] TRATADA (POR MILHÃO DE POPULAÇÃO / ANO), POR PAÍS, 2014

Fig. 1 – Distribuição geográfica da incidência de tratamento da DRC 5 por países em 2014, dados do Relatório Anual de 2016 da USRDS

Pelo contrário a transplantação renal desenvolveu-se de forma significativa em Portugal com taxas de transplantação renal que colocam Portugal nos países que mais transplantam os seus doentes renais crónicos. Foram transplantados entre 400 a 600 doentes por ano nos últimos 10 anos.

É reconhecido o facto que Portugal tem uma das mais elevadas incidências de doentes a iniciar diálise sem que conheçam de forma inequívoca os motivos para tal, como se ilustra nos dados do Registo da USRDS para os quais o Gabinete de Registo da DRC 5 da Sociedade Portuguesa de Nefrologia contribui com dados agregados (Fig. 1).

Apesar disso não se pode afirmar que a incidência esteja a crescer, mantendo-se relativamente estável nos últimos 11 anos com valores que oscilam entre 218 e 235 por milhão de população (pmp).

A prevalência em diálise tem crescido fruto dum balanço positivo entre doentes a entrar em diálise e doentes a sair por morte ou outros motivos, principalmente para transplante.

Facto que merece relevância é a elevada prevalência do tratamento da DRC 5 entre grupos etários mais avançados que supera 3000 casos pmp acima dos 65 anos e 4700 pmp acima dos 80 anos.


ALGUNS ASPETOS DO TRATAMENTO POR HEMODIÁLISE EM PORTUGAL

Iniciaram hemodiálise 2000 a 2500 doentes por ano com doença renal crónica entre 2003 e 2016 seja como primeiro tratamento ou vindos de outras modalidades de tratamento, prin-cipalmente por falência de transplante renal. A incidência de DRC 5 em hemodiálise estabilizou, mas fruto de taxas de mortalidade relativamente baixas e mesmo com taxas de transplantação renal elevadas, observou-se um crescimento do número de doentes em tratamento nos últimos 10 anos com taxas que variaram entre 1,2 e 5% ao ano, embora significativamente mais baixas nos últimos anos.

Alguns aspetos demográficos devem ser referidos e desde logo importa salientar a elevada idade da população de doentes em tratamento com uma média de idades que subiu de 63,8 anos para 67,7 anos em apenas 10 anos. É igualmente interessante referir que a média de idades é mais elevada na zona centro do país onde em 2016 superou os 69 anos e que mais de 20% dos doentes em hemodiálise em Portugal têm idade superior a 80 anos.

DIABETES COMO CAUSA DE DRC EM HD 2007 – 2016


Fig. 2 – Diabetes como causa da doença renal crónica entre 2007 e 2016
em Portugal | Gabinete de registo da SPN 2016

EM RELAÇÃO À ETIOLOGIA É RELEVANTE QUE EM 33% DOS DOENTES INCIDENTES E EM 29% DOS PREVALENTES A DIABETES É A CAUSA DA DOENÇA RENAL (FIG. 2).

A hipertensão arterial é a causa apontada para a doença renal em 15% dos casos pelo que quase 50% dos doentes têm na sua génese patologias em que as medidas preventivas e de controlo da doença podem ter um impacto no desenvolvimento e evolução da doença renal crónica.

A ANÁLISE DA MORTALIDADE REVELA DADOS INTERESSANTES, POIS APESAR DO AUMENTO DA MÉDIA DE IDADES A MORTALIDADE DECRESCEU NOS ÚLTIMOS ANOS TENDO SIDO DE 13,09% EM 2016 PARA O CONJUNTO DE TODAS AS UNIDADES DE HEMODIÁLISE (FIG. 3) E DE 12,36% SE CONTABILIZARMOS APENAS AS UNIDADES PERIFÉRICAS.

MORTALIDADE GLOBAL EM HD 2007 – 2016


Fig. 3 – Mortalidade global anual em Portugal entre 2007 e 2016
Gabinete de registo da SPN 2016

Cerca de 25% dos doentes não tiveram seguimento por Nefrologia antes de iniciarem hemodiálise embora com ligeira melhoria em 2015 e 2016 comparativamente aos anos anteriores.

O acesso vascular utilizado para realizar hemodiálise pode ter impacto na mortalidade, sendo quase sempre preferível a realização de hemodiálise através duma fístula arteriovenosa.

A realização de hemodiálise através de cateter venoso central parece acrescer risco de mortalidade e morbilidade.

Desde 2010/2011 que a responsabilidade pela construção do acesso vascular passou a ser das unidades onde o doente efetua tratamento, com exceção do primeiro acesso vascular e dos cateteres venosos centrais que continuam a ser assegurados pelas unidades hospitalares de referência.


A TAXA DE DOENTES EM TRATAMENTO ATRAVÉS DE CATETER VENOSO CENTRAL DIMINUI DESDE ESSA TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ACESSO VASCULAR PARA AS UNIDADES DE HEMODIÁLISE, PELO CONTRÁRIO NÃO SE OBSERVA MELHORIA NO PRIMEIRO ACESSO VASCULAR E MAIS DE 50% DOS DOENTES INICIAM HEMODIÁLISE COM UM CATETER (FIG. 4).

Em Portugal existem diferenças regionais na demografia dos acessos vasculares com maior taxa de fístulas arteriovenosas no Norte e maior taxa
de próteses no Sul. Na zona Centro existe uma proporção mais elevada de doentes a realizar tratamento através de cateter.

ACESSO VASCULAR UTILIZADO NA PRIMEIRA SESSÃO DE HEMODIÁLISE | 2008 – 2016

ACESSO VASCULAR NOS DOENTES PREVALENTES
(CVC) | 2007 – 2016




Fig. 4 – Acesso vascular utilizado na primeira sessão de hemodiálise e nos doentes prevalentes (taxa de cateteres venosos centrais) entre 2007 e 2016
Gabinete de registo da SPN 2016

As unidades hospitalares tendem a concentrar doentes com mais comorbilidades, não sendo de estranhar que apresentem alguns índices diferentes das unidades periféricas como p. ex.: maior percentagem de doentes seropositivos para hepatite B, hepatite C ou VIH, maior prevalência de cateteres venosos centrais e taxas de mortalidade mais elevadas.

A análise de dados de registos agregados tem limitações inultrapassáveis, mas o Registo da Doença Renal Crónica em estadio 5 da Sociedade Portuguesa de Nefrologia criado em 1984 e com dados de 100% das unidades hospitalares e periféricas de diálise e transplantação renal desde 1997 permite identificar aspetos demográficos importantes de que devem ser salientadas as elevadas incidências e prevalências de doentes com DRC estádio 5 em tratamento em Portugal.

É também relevante referir que a população de doentes em tratamento é idosa e com múltiplas comorbilidades, mas ainda assim a mortalidade é relativamente baixa e com tendência decrescente nos últimos 10 anos embora não seja muito evidente que essa diminuição de mortalidade se mantenha pois nos últimos 2 anos houve um aumento muito ligeiro. A grande maioria dos doentes tem acesso a técnicas de diálise como a hemodiafiltração e a hemodiálise de alto fluxo.

Diversos parâmetros utilizados para inferir o sucesso e qualidade do tratamento com hemodiálise apresentam elevados padrões de qualidade em Portugal quando comparados com outros países dentro dos mesmos prestadores.

Pode afirmar-se sem grande receio de erro que em Portugal o acesso à hemodiálise é universal para os doentes que necessitam deste tratamento, a rede de centros de hemodiálise está geograficamente bem distribuída e os padrões de qualidade são elevados.