Porque é que se fala de monopólio no setor da hemodiálise?

António Neves, Secretário-Geral da ANADIAL

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tornou pública uma informação de monitorização do Setor Convencionado de Hemodiálise, em Portugal, ao abrigo das suas atribuições e incumbências estabelecidas nos seus estatutos. Na referida informação tecem-se um conjunto de considerações acerca da estrutura dos “mercados de hemodiálise”, aludindo-se às concentrações ou situações de monopólio, que importam esclarecer.

Em Portugal, as clínicas privadas asseguram o tratamento a 93% da totalidade dos doentes em hemodiálise, o que significa que as empresas privadas salvam, diariamente, a vida de mais de 12 mil doentes, que sem esse tratamento teriam um desfecho fatal. Significa também que, nos últimos 40 anos, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem contado com as empresas privadas para realizarem o investimento necessário para assegurar um tratamento de excelência aos doentes renais crónicos, com a construção e manutenção de infraestruturas modernas, equipamentos inovadores, e recursos humanos altamente qualificados.  Os utentes reconhecem a qualidade do tratamento, como aliás, concluiu o estudo apresentado pela ERS. 

O que a informação divulgada, pela ERS, não explica é que a construção de clínicas de hemodiálise e a sua entrada em funcionamento, em Portugal, está limitada à autorização do Serviço Nacional de Saúde (através da própria ERS e ACSS), que tem em conta, na sua decisão, a existência de doentes em cada região que necessitem de tratamento de hemodiálise. Logo, se não existissem doentes renais crónicos no Alentejo, também não teríamos clínicas nessa localização. E, se existirem poucos doentes, é natural que possa existir apenas um centro de diálise. Reforçamos, por isso, que todos os doentes com doença renal crónica só são tratados por referenciação do SNS. Os centros de diálise não conseguem nem podem induzir a procura. Se o serviço de referenciação do Hospital do SNS não encaminhar o doente, o mesmo não pode ser tratado pelos centros privados.

Por outro lado, o Serviço Nacional de Saúde define e paga o mesmo valor a todos os centros privados que prestam o serviço de hemodiálise, valor esse (denominado de preço compreensivo) que não é ajustado desde 2012, apesar do aumento de todos os custos relacionados com a prestação dos cuidados de saúde, e que têm sido suportados pelas clínicas privadas.

Se não existe exclusividade de uma única entidade privada, se existem vários prestadores a quem são aplicadas as mesmas condições económicas, as mesmas exigências técnicas e de segurança, se o acesso a ser prestador é aberto a todas as empresas que queiram investir (conquanto cumpram aquelas exigências técnicas), e se, além de todas estas caraterísticas, é apenas e só, exclusivamente o Serviço Nacional de Saúde que controla a referenciação de doentes, e quem pode operar, resta-nos colocar a questão de como é possível avaliar a realidade portuguesa como de um mercado livre se tratasse? Como se pode afirmar que nalgumas áreas territoriais existe um monopólio no setor convencionado de hemodiálise? É que as limitações acima referidas, impedem que falemos verdadeiramente de um mercado.